1.7.11

visão viciada

A luz e a velocidade dançavam à tua volta pelas ruas adentro. As pessoas passam, poucas, absortas na linha ténue que seguiam até seus descansos, provavelmente nem saberiam balbuciar de onde regressavam. Seres perdidos. Mas tu não, tu sabias cada passo que coordenavas e cada buraco na calçada que evitavas. A cor de cada carro que te razava. Embora a tua visão fosse turva, nublada e moribunda, embora tudo o que visses fosse disforme, desmanchado num complexo e familiar puzzle, o teu andar crescia firme e solto.
Rapariga do cabelo fino de óleo, como pairavas pelas ruas duma Lisboa que desconhecias ainda mais do que ao teu interior. Teus pés descalços deixaram de querer distender, deixaram-se fascinar pela maçã pequena e suja que esperava alguém. Ali mesmo no berço duma pedra que já ali dormira para sempre. O quão difícil é resistir à mais vil das tentações: o amar. Esse pecado tão pequeno e tão insolente.
-Podendo caminhar porquê parar, todo o objecto urbano trespassa a fragilidade do corpo sensivelmente humano e aquífero.
As ruas continuam subindo nuas e cruas entre si, mantendo a sua pureza original que engole, com o passar do micro-segundo, os versos dos homens que ousaram sonhar.
No esplendor da magnificência a árvore que carrega o pavor é por ti trepada, tão despida do mundo e tão cheia do teu.
-Nego em ti tudo aquilo que os teus olho reflectem, não me querem, não me são. Olhando para a tua casca não sei compreender. Se és pele e osso ou mera carne fantasma, os meus não veêm a realidade como antes viram. Nunca me souberam ensinar a repelir a dor da ausência de ser.
Sem soprares sem eu assim desejar, sem medos nada pode irrealmente ser.
Não posso mais com o ecoar desgastado do teu silêncio que troça de cada sílaba minha. A ti desejo, o enrolar sintáctico da tua língua ignoro.
Com a mesma violência com que te atiraste para a terra estalada sob a árvore onde sonharas todas as madrugadas o teu mundo ruiu.
Liberdade crua e tão alegremente lúcida. Chora devagarinho e contida que não te é permitido mais.
Deita-te na relva húmida da noite sem tom ou cheiro.
Sorri para ti, engole cada palavra tua mirada e encarcerada antes de proferida. Fecha os olhos e apaga cada imagem que borraste na tua visão.
Acorda e não te percas. Luta até não existires.
-Não existes em mim, não podes ser parte de mim quando eu não sou bem tu, simplesmente não podes. Cada passo que dei foi sem memória tua. Continuo para novamente ser, respiro para voltar. Não preciso de outro quadro que reflicta o que eu repeti da sua repetição contínua baça.
Na ausência do dito já pensado, a espontaneidade faleceu dura e ressequida. Pouco antes da palavra ser esquecida para sempre a antiga sensação do agora soltou-se.
-Nem mesmo nesta noite limpa de laranjas te amei.


01-07-2011, madrugada, Lx, argumento para nova curta

1 comentário:

  1. Gostei. Mas não é fácil visualizar.
    Gralhas: magnificência (não tem i antes de ência); falta concordância em olhos. Bjsss

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segue os buracos na calçada